El 2 de octubre tendrá lugar en el hall de la Fundación Serralves Crash Music de João Paulo Feliciano.
O trabalho do artista e músico português João Paulo Feliciano (1963, Caldas da Rainha) assenta na fusão entre a música e as artes visuais. Até mesmo obras que aparentemente nada têm a ver com música são afinal por ela influenciadas em termos de processo. A não separação entre os papéis que um artista desempenha dentro e fora da galeria, o interesse em partes iguais pela cultura popular e pelas expressões artísticas eruditas fazem parte da sua prática criativa. Além disso, Feliciano revela uma urgência de comunicação com o público, uma vontade de o implicar directamente, que o distinguem num meio artístico ainda muito elitista.
Para além de integrar inúmeras referências ao universo da cultura rock, o seu trabalho enquanto artista confunde-se com iniciativas eminentemente musicais: já foi membro de uma banda – Tina and the Top Ten –, estabeleceu parcerias com vários músicos, nomeadamente com Rafael Toral no projecto No Noise Reduction, e fundou uma editora discográfica (Moneyland Records). Por diversas vezes, Feliciano utilizou o disco de vinil como material artístico: por exemplo, na peça Crash Music (1991), em que parte 50 LPs contra uma parede, ou em trabalhos que integram discos como elementos escultóricos de direito próprio, como Flying Saucer (1991) e Objecto Celestial (2008).Não é, pois, de estranhar que o interesse de Feliciano pela música e pelos diferentes géneros artísticos coincidam neste Cover Without a Record, um irónico contraponto a Record Without a Cover (1985, reeditado em 1999) do artista norte-americano Christian Marclay, feito aliás com conhecimento deste. Apesar de haver artistas que se dedicam tanto à música como à arte, Feliciano e Marclay distinguem-se por praticarem ambas em simultâneo. Marclay (1955, San Rafael, Califórnia, E.U.A.) tem desde sempre combatido a separação entre públicos, acreditando que um mesmo indivíduo pode responder à música e às artes plásticas com entusiasmo igual. O artista revela um interesse particular pela energia do punk e do rock e pela tradução de elementos áudio em ferramentas expressivas e colabora com músicos e com escultores que incorporam música nos seus trabalhos, daí resultando colagens que se apropriam de uma determinada iconografia relacionada com aquelas expressões musicais. Entre os trabalhos mais relevantes de Marclay encontram-se os seus projectos com discos de vinil.
Record Without a Cover consiste justamente num LP vendido sem capa – sujeito, portanto, a todo o tipo de agressões exteriores. Este disco é paradigmático da sua exploração do limiar entre a música e as artes visuais: por um lado, tira partido do potencial criativo dos acidentes, pondo em marcha um processo muito concreto mas simultaneamente indeterminado quanto aos resultados finais; por outro, e de uma forma semelhante às estratégias de grande parte da arte do século XX, sublinha as características únicas do suporte que emprega, nomeadamente o disco de vinil. Com Record Without a Cover, Marclay assegurou-se de que ninguém se poderia esquecer da natureza do suporte: uma superfície de plástico barata, que se risca e se deteriora com o uso. Segundo as suas próprias palavras, ele pretendeu “dar uma voz” ao disco em si, tirando partido de características mais ou menos indesejadas: o constante som residual e as perturbações áudio intermitentes, que muitos melómanos encaram como um problema.
Referência subtil a um dos trabalhos mais icónicos de Marclay, a peça de Feliciano é, enquanto múltiplo, barata e acessível: potencial receptáculo para objectos mais ou menos anacrónicos e obsoletos (embora recentemente transformados em fetiche), sublinha ideias tão caras ao artista quanto as de reciclagem cultural, reactualização do passado, produção em série, ou punk “faça-você-mesmo”; por outro lado, corporizando o seu interesse pela música aleatória ou improvisada, pela incorporação do objecto quotidiano na obra artística, pela ideia democrática de múltiplo, resulta da convicção de que aquelas expressões musicais e artísticas – e os modos de vida que simbolizam – representam uma possível resolução para a herança dos movimentos Dadá e Fluxus, que nunca conseguiram aproximar realmente a arte do quotidiano.
Ricardo Nicolau
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